segunda-feira, 28 de abril de 2014

Feriado municipal

Era uma cidade pequena. Olhando-se do céu era uma pequena mancha no meio de suas áreas rurais e silvestres. Nela uma rua ia e outra vinha. Mas a simplicidade do entorno tinha o seu contraste na língua de seus habitantes. A língua era voraz e a maledicência campeava solta. Era chuva ácida nas pequenas sementes que o falado tinha em si e que germinariam em talentos se não fossem essas línguas. Chuva que vinha das nuvens de inveja, do medo da competência e em alguns casos de questões históricas das famílias. Nos bancos dos botecos, nas esquinas, nos cantos dos empórios, nos corredores dos comércios era um só mal falar dos outros. As pessoas se encolhiam para não despertar nada que caísse na boca do povo.
Um dia o prefeito, havendo sentido na própria pele o efeito das maledicências e tendo olhado para si e ansiado pelo crescimento ético de todos, resolveu enviar à câmara um projeto de lei criando um feriado municipal: o dia da Benedicência. Nesse dia, por lei, as pessoas praticariam o falar bem. Barracas com pastel, pinhão, quirera e cerveja se espalhariam pelas praças e pelos bairros. O preço? A pessoa se apresentaria a uma comissão de cada centro e falaria bem de alguém. Se a comissão notasse que o falar era autêntico e sincero a pessoa ganharia um vale do que pedisse. Era entregar o vale na barraca. Cada cidadão ou cidadã ficaria com o número do vale. Ao final do dia haveria o sorteio que dependendo dos recursos poderia ser bicicleta, televisão, etc. As várias comissões seriam formadas pelos edis da cidade uma vez que receberam votos de confiança dos eleitores. O prefeito receberia cada cidadão que não acreditasse na justiça dos edis.
Bem, falaram muito do prefeito e de seu projeto. Criticaram. Postagens maldosas se espalharam nas redes sociais. Mas a atitude dele foi clara, firme e marcou a todos. A lei foi aprovada.
Com o tempo o aprendizado de um dia no ano foi-se espalhando para os outros dias. As pessoas vendo que o falar bem lhes dava prazer passaram a adotá-lo. E a situação se inverteu. As pessoas passaram a ser solidárias e a compreender os seus vizinhos. Num dado ano não foi mais necessário o feriado municipal e ele foi abolido.



a experiência humana

sábado, 26 de abril de 2014

Fernando Pessoa - 13 Jun 1888 // 30 Nov 1935


Em horas inda louras,lindas 
Clorindas e Belindas, brandas, 
Brincam no tempo das berlindas, 
As vindas vendo das varandas, 
De onde ouvem vir a rir as vindas 
Fitam a fio as frias bandas. 

Mas em torno à tarde se entorna 
A atordoar o ar que arde 
Que a eterna tarde já não torna ! 
E o tom de atoarda todo o alarde 
Do adornado ardor transtorna 
No ar de torpor da tarda tarde. 

E há nevoentos desencantos 
Dos encantos dos pensamentos 
Nos santos lentos dos recantos 
Dos bentos cantos dos conventos.... 
Prantos de intentos, lentos, tantos 
Que encantam os atentos ventos.




a experiência humana

sábado, 19 de abril de 2014

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